VIRÁ O TEMPO DO HOMEM...
Suspende-se o tempo na mansidão da água.
É a hora de deus, a breve candura da madrugada?
De que serve o sublime espelho senão para
que o divino se veja reflectido na perfeição da luz?
Foi para isso que nasceu o sol, que na Terra se fez silêncio,
que das águas matutinas se levantou a neblina.
Encostas o corpo à lenta construção do alvor.
Apetece beijar os lábios mornos da luz,
ser anjo e ascender à força viva da nascente,
entreabrir a carne íntima desse tempo antigo e eterno,
desvendar a branca mudez acetinada do silêncio!
O paraíso, porém, não nos pertence,
é apenas um ilusório instantâneo fotográfico,
uma falsa inscrição nas memórias de infância.
Virá o tempo do Homem, o tempo da dor.
O silêncio cessará. A terra acordará gemendo.
Será inútil procurar a alegria no negro lamaçal.
Mulheres de negro carregarão baldes,
homens silenciosos armadilharão barcos,
pequenos peixes morrerão no lodo, quebrando o encanto.
Em breve o sol arderá na água e doerá na pele
até que de novo se apague na memória do dia e
a noite passe. E o breve milagre retorne.
Photo © Adão Moreira / Poema:Pires da Costa
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