26 March 2016

ECCE HOMO 












































Ecce Homo!

Invoco a milenária dor
no silêncio desterrado da madeira.
Contemplas, desarmado, o destino dos homens.
Arderam já em lágrimas,
as rosáceas negras dos teus olhos,
o fel não matou a sede dos lábios,
a palavra inesperada não irrompe já,
luminosa, pela garganta.
Tanto que ansiavas,
ó sonhador de mundos inominados!
Querias ser luz, mas fizeram-te dor.
Querias ser vida, mas nomearam-te morte.
Foste-te pois, para além do sopro.
E de novo anoiteceu.
O medo arranhando
as já antigas cicatrizes de solidão do mundo.
Órfãos de inútil espanto
fingimos agora jazer a teus pés
És alto, muito alto.
Um exilado inacessível das alturas.
Mas não és deus, eu sei,
porque te entendo o abandono.
Não é tua a vaidade da criação.
És apenas um homem.
Um homem que podia ser deus.


photo©Adão Moreira  | texto: Pires da Costa 



2 comments:

  1. Excelente, a conjugação profunda do texto com a imagem.

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