27 August 2015

TU ÉS O PRÓPRIO DIA
















Aberto de lés a lés, o rio liquefaz a luz nascente.

Campo iluminado pela primeira claridade,
a água é uma planura acesa em ouro, seara de mel
estendida sobre o corpo genesíaco da terra.

Anjo de sombra, opões-te, vertical,
à etérea e luminosa perfeição do horizonte.
És o centro solitário do mundo,
o ponto fulcral que sustenta o universo,
um pequeno deus matinal e mudo,
possuidor único da beleza extrema.

A tua presença amplia o mistério,
apressa o movimento do sol,
precipita o cíclico e fatal destino da luz.
O teu olhar moraliza a imensidão da água
sobre a qual derramas a mais humana tristeza

Como alguém que da procura desistiu já,
tu és o próprio dia,
prometido à tarefa última e inadiável
de se deixar atravessar pela
visão redentora do silêncio.

Os barcos, as canas, o negro lamaçal,
são apenas adereços mortos, fingimentos de vida,
destroços esquecidos da noite escura.

Só o esplendor da luz importa
e, no espelho, o divino, angélico,
humano reflexo.

photo: Adão Moreira  /  poema: Pires da Costa 







No comments:

Post a Comment