TU ÉS O PRÓPRIO DIA
Aberto de lés a lés, o rio liquefaz a luz nascente.
Campo iluminado pela primeira claridade,
a água é uma planura acesa em ouro, seara de mel
estendida sobre o corpo genesíaco da terra.
Anjo de sombra, opões-te, vertical,
à etérea e luminosa perfeição do horizonte.
És o centro solitário do mundo,
o ponto fulcral que sustenta o universo,
um pequeno deus matinal e mudo,
possuidor único da beleza extrema.
A tua presença amplia o mistério,
apressa o movimento do sol,
precipita o cíclico e fatal destino da luz.
O teu olhar moraliza a imensidão da água
sobre a qual derramas a mais humana tristeza
Como alguém que da procura desistiu já,
tu és o próprio dia,
prometido à tarefa última e inadiável
de se deixar atravessar pela
visão redentora do silêncio.
Os barcos, as canas, o negro lamaçal,
são apenas adereços mortos, fingimentos de vida,
destroços esquecidos da noite escura.
Só o esplendor da luz importa
e, no espelho, o divino, angélico,
humano reflexo.
photo: Adão Moreira / poema: Pires da Costa
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